Estúpida.Latina.Bethânia.

A irreverência da escrita dela sempre deixou minha atenção vidrada desde muito menina. Eu, em algum consultório de dentista  selecionava a revista, meticulosamente, na página em que tinha a coluna dela. Coluna sagrada para mim. Eu não lia aquilo. Eu devorava. Quando dei de cara com "PARA O CARNAVAL"  fiquei com vontade de rodar a baiana também, pensei com meus botões de pura timidez: um dia vou escrever igual a essa MULHER que é autêntica e "dá a escrita à tapa". Ela escreveu muitas verdades e em uma época em que nem se pronunciava a palavra 'empoderamento', ela já agigantava suas leitoras (e tinha aversão alérgica ao termo 'empoderamento' cunhado hoje). "Protagonismo feminino", "lugar de fala?"...Oi?! Fernanda abominava com sagacidade tudo isso. E em devaneios, cheia de graça, desejava, alguma vez na vida, se dar ao luxo de encarnar uma segunda 'persona': Fefê Machado - "a socialite", quem sabe. Uma das crônicas de sua coluna na Revista Cláudia, lembro bem: se chamava "À bunda". Ela se atreveu a falar sobre corpo, mesmo em meio a tanto tabu, rompeu padrões de beleza e estimulou que cada ser fosse  belo a sua maneira ... Muita gente há de pensar 'que mulher desbocada', só-que-não. Fernanda Young foi brava guerreira, um verso de atitude em pessoa... Uma bruta flor tatuada no braço.
Fernanda provocou. Fernanda também foi muito irritada (e curtiu isso). Divartista. Multipersona. Estúpida. Latina. Bethânia. Uma das raras escritoras, cujas palavras me acudiam em meio às crises existenciais/profissionais. Uma das poucas escritoras para quem cogitei escrever uma carta: sobre vida, sobre desabafo, sobre falar-na-lata, sobre minha coceira crônica na mão, no coração e na cabeça que me faz escrever de forma compulsiva (e com o pulso certo, num ritmo muito empolgado como se compusesse música). Cheguei a digitar o e-mail. Escrevi, mas não mandei. Salvei nos rascunhos. Talvez, por baixa auto estima, me achando ridícula por crer que uma consagrada escritora leria uma "carta minha". Talvez, por ilusão, não desejando encarar a finitude (a minha, a dela, a do mundo). "Tenho todo tempo do Universo, outro dia eu mando... Outro dia. Numa dessas sessões de autógrafos de livraria, quem sabe eu a encontro." O fato é que não a encontrei (e o triste de hoje é saber que nunca a encontrarei nessa existência física) mas saber que a escrita dela me encontrou de jeito uma vez e essa vez foi 'pratodavida'. Isso sim que agora importa. Isso sim que agora me faz querer homenagear essa rebelde-ácida-doçura.

[carol gaertner]

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